Pesquisas publicadas nos últimos anos têm buscado entender, com maior profundidade, a relação entre estresse e processos inflamatórios e estes com o desempenho reprodutivo. Há cerca de 15 anos, observou-se que pilotos de aviões de caça sujeitos a pressão hiperbárica, maior impacto da força gravitacional e maior exposição à radiação tiveram alterações na qualidade do seu sêmen.
Da mesma forma, a dinâmica intensa da sociedade moderna, que pode resultar em baixa qualidade de vida, estresse, problemas de relacionamento, depressão, transtornos de ansiedade e transtornos pós-traumáticos é frequentemente associada a infertilidade e perdas gestacionais.
A produção animal atual, intensiva e de alta produtividade, é oportunidade para manifestações de estresse frequentes e aumento na suscetibilidade de doenças: na reprodução, por exemplo, alta prolificidade resulta em maior demanda de nutrientes e espaço para garantir o desenvolvimento fetal. Isto nem sempre é alcançado e pode ser evidenciado pelo aumento do número de leitões nascidos com baixo peso e que, muitas vezes, têm dificuldade de sobrevivência. Durante a lactação, porcas com boa produção de leite têm altas necessidades nutricionais, que podem levar a intenso catabolismo que, por sua vez, podem comprometer sua saúde, bem-estar e desempenho reprodutivo futuro.
Neste artigo será discutida a relação entre estresse e inflamação, seus impactos na reprodução dos suínos, e meios para minimizar os efeitos negativos, de maneira a oportunizar o máximo desempenho dos animais, em condições de conforto e bem-estar animal.
Relação entre reprodução, inflamação e estresse
A fisiologia reprodutiva normal, incluindo todo ciclo estral, fecundação, implantação dos embriões, gestação, periparto, parto e pós-parto, envolve uma série de processos regulados por mediadores inflamatórios, como citoquinas, fatores de crescimento e medidores lipídicos que regulam, por sua vez, respostas imunes e vasculares.
Inflamação, conforme descrito pela patologia, é a resposta básica, primária e não específica do sistema imune à infecção, irritação ou injúria, seja aguda ou crônica. Caracteriza-se pelos sinais cardinais, definidos pelo enciclopedista romano Aulus Cornelius Celsus (25AC – 50DC): dor, calor, tumor, rubor e, ainda, perda da função do tecido inflamado.
Estresse, especialmente crônico, tem sido associado ao desenvolvimento de processos inflamatórios, principalmente devido ao aumento na resistência de receptores de glicocorticoides. Isto resulta em falhas na regulação negativa da resposta inflamatória. Estas interferências no sistema imune levam a alterações hormonais em diferentes níveis, que, por sua vez, prejudicam o processo reprodutivo, resultando em falhas reprodutivas, queda no desempenho e descarte precoce de reprodutoras.
Os desafios na suinocultura
Em levantamento feito em 2014, foram avaliadas 502 porcas descartadas, de sete granjas comerciais nos Estados Unidos. Destas, mais da metade foi descartada por falha reprodutiva. No entanto, quando os órgãos foram analisados, observou-se que 75% dos úteros e 54% dos ovários estavam normais, evidenciando que a causa primária para a falha reprodutiva não estava nestes órgãos.
Anteriormente, a avaliação de 3.158 porcas descartadas em dois frigoríficos, também nos Estados Unidos, demonstrou que 85% das porcas tinha ovários normais, 10% com sinais de pneumonia, 13% com lesões nas escápulas e 80% das porcas apresentava lesões nos cascos dos membros traseiros.
No Brasil, 2.660 porcas, de 30 granjas, foram avaliadas quanto à integridade e saúde dos cascos. Observou-se que 99% das porcas apresentavam lesões nos cascos e 30% tinham lesões severas, com inflamação evidente.
Estes três trabalhos demonstraram claramente que falhas reprodutivas estão associadas com outras causas primárias e a inflamação é fator determinante para ocorrência das mesmas.
Com relação ao ambiente, instalações e manejo, altas temperaturas e umidade associados, comuns à suinocultura brasileira, levam os animais a quadros de estresse intenso pelo calor, com consequentes respostas vasculares e desenvolvimento de inflamação sistêmica e estresse oxidativo.
Associado a tudo isso, o processo reprodutivo, especialmente no periparto, resulta em intenso estresse oxidativo sistêmico, que pode levar à infertilidade.
É interessante observar que os efeitos da inflamação ocorrem antes mesmo da manifestação clínica da doença ou do estresse. Alterações séricas de metabólitos, mediadores inflamatórios e proteínas de fase aguda foram identificadas várias semanas antes de vacas demonstrarem sinais de claudicação, com consequente efeito negativo na reprodução.
Inflamação intensa, aguda ou crônica, resulta em reprogramação do metabolismo, resultando em menor consumo de alimentos, interrupção dos processos anabólicos e aumento das atividades catabólicas, o que leva ao consumo das reservas corporais e a perda de produtividade.
Outro estudo realizado com vacas demonstrou que infecção e inflamação promovem considerável redistribuição e alteração das necessidades de nutrientes pelo sistema imune. Quando ativado, observou-se que a demanda por glicose aumentou 1 kg em um período de 12 horas, tendo sido desviado de outros processos fisiológicos, especialmente aqueles relacionados com a reprodução.
Além do aumento da demanda de fontes de energia, o estresse oxidativo e os processos inflamatórios elevam a necessidade de aminoácidos e nutrientes antioxidantes, como vitaminas A e E, e os microminerais zinco, manganês, cobre, selênio e cromo.
Zinco, em particular, tem sido amplamente estudado. Uma revisão recente enfatizou a importância deste micromineral, demonstrando seu efeito direto na modulação da resposta imune e em atividades antioxidantes e anti-inflamatórias, pela redução da ativação de um fator nuclear que regula os mediadores inflamatórios.
Os mediadores inflamatórios circulantes comprometem a produção e secreção dos hormônios gonadotróficos, podem levar à morte células do ovário e comprometer a produção do estrogênio.
Soluções para os desafios
Reduzir a ocorrência do estresse e inflamação é fundamental para garantir a máxima produtividade dos animais, de acordo com seu potencial genético. Para tanto, é necessária a adoção de pelo menos três medidas:
– Identificar os problemas associados ao estresse e inflamação, seu tamanho e suas causas; p.ex.: lesões nos cascos – prevalência, severidade e possíveis causas;
– Controlar e corrigir os problemas e suas causas; p.ex.: melhorar a qualidade do piso, consertar piso ripado danificado e corrigir espaçamento entre vigas; e
– Prevenir a ocorrência dos problemas, com ações que mitiguem os riscos; p.ex.: manutenção periódica das instalações e aporte nutricional adequado.
Estas três medidas devem considerar os fatores relacionados com bem-estar animal, de maneira a diminuir ao máximo a ocorrência do estresse, infecção, irritação, injúria e consequente inflamação, incluindo:
– Genética – melhoramento genético e seleção de animais;
– Sanidade – biosseguridade e manejo sanitário;
– Manejo e instalações – conforto e segurança; e
– Nutrição – água potável e alimento balanceado, em quantidade adequada.
Conclusões
– Reprodução é um processo fisiológico diretamente ligado ao sistema imune, sendo regulado por mediadores inflamatórios;
– A liberação de mediadores inflamatórios, em resposta ao estresse ou inflamação, resulta em mudanças na priorização e utilização de nutrientes pelo organismo;
– Quando o sistema imune se ativa, utiliza cada vez mais energia para controlar a inflamação, infecção ou injúria, sequestrando energia que seria destinada ao aparelho reprodutivo;
– Em situações de inflamação intensa, há redução no consumo de alimentos e mobilização das reservas corporais;
– A redução de nutrientes disponíveis para a reprodução, em função da ativação do sistema imune, altera a produção de hormônios e o desempenho reprodutivo;
– A concentração de nutrientes antioxidantes (Zn, Mn, Cu, Cr, Se, Vit. A, C e E) na dieta deve ser reavaliada quanto a níveis e fontes, especialmente para evitar estresse oxidativo excessivo; e
– Claudicação e lesões de casco devem ser prevenidas.
Artigo escrito por Ton Kramer
Fonte: O Presente Rural
Mais informações à imprensa:
Assessoria de Comunicação – Cidasc
Fone: (48) 3665 7000
ascom@cidasc.sc.gov.br
www.cidasc.sc.gov.br
www.facebook.com/cidasc.ascom