As novas variedades de trigo que chegaram nos últimos anos ao mercado brasileiro estão mudando os rumos da alimentação animal no Sul do país. Pecuaristas de corte e leite estão trocando a silagem de milho e aveia pela silagem de trigo, feito a partir de uma planta especial, que não apresenta filamentos na espiga, e está trazendo benefícios que vão da saúde animal à produtividade. Na produção de carne, a silagem de trigo chega a substituir completamente a necessidade dos outros dois cereais na alimentação. Profissionais das regiões tritícolas estão vendo a alternativa com bons olhos.
O produtor rural Antônio Carlos Bordignon, de Sertão, norte do Rio Grande do Sul, vai plantar trigo neste inverno em toda a área que antes recebia milho e aveia. Ele fez a primeira experiência no inverno de 2016, quando plantou pouco mais de 20% da área com o trigo silagem, e se convenceu de que o novo conceito dá melhores resultados. “Antes eu dava silagem de milho e aveia. No ano passado, plantei 15 hectares de trigo para fazer uma experiência e os resultados me surpreenderam. O trigo dá uma estabilidade na vaca, melhora o casco, até o pelo parece mais brilhoso. As vacas ficaram melhores e também percebi um aumento de produtividade”, comenta Bordignon. “Com os resultados que vi, vou plantar os 65 hectares com trigo para silagem”, comenta.
O rebanho de 320 vacas leiteiras – 170 em ordenha – recebe uma alimentação composta por silagem de milho, minerais, e ração. Depois de trocar a aveia pelo trigo, garante que a saúde dos animais também ficou melhor. “Deu uma melhora na saúde das vacas surpreendente”, destaca o gaúcho de 50 anos.
O exemplo de Bordignon está se difundindo entre os pecuaristas do Rio Grande do Sul, afirma o engenheiro agrônomo e mestre em Zootecnia Luís Otávio da Costa de Lima, supervisor técnico e pesquisador da Cooperativa Central Gaúcha Ltda. Ele conta que a mudança no perfil da planta, mais adequada para alimentação animal, e a cultura local em produzir trigo estão aumentando a entrada do trigo silagem nas fazendas gaúchas. “A silagem de trigo tem se mostrado uma excelente opção pela adaptação que tem, pela questão cultural do gaúcho em plantar esse cereal e especialmente pela entrada de novos materiais. Materiais de alta qualidade com foco em silagem estão ganhando o mercado. Os produtores de trigo estão olhando essa alternativa com bons olhos buscando materiais para produzir silagem”, revela.
Conforme Lima, um dos pontos que permite essa introdução mais incisiva do trigo na alimentação do rebanho de corte e leite é a mudança que a planta alcançou com a biotecnologia. As novas cultivares apresentam uma espiga sem arista, que inibia o consumo pelo animal e provocava lesões no rúmen. Sem esses filamentos, garante, consumo adequado e saúde animal estão garantidos. “A grande dificuldade dos trigos que era a arista, por reduzir a ingestão e por poder causar microlesões ruminais. Agora, com o trigo sem arista, como foco em silagem, a opção se torna bem interessante”, conta. De acordo com ele, a produtividade com a receita pode gerar até 15 mil litros de leite por hectare.
Trigo é base alimentar do rebanho de corte
A silagem de trigo não só ganha espaço, como já aparece como a base alimentar para muitos plantéis de gado de corte no Rio Grande do Sul. De acordo com o engenheiro agrônomo e mestre em Zootecnia Luís Otávio da Costa de Lima, a composição fibrosa do material permite ganhos na produção de carne se comparado com o milho. “Temos avaliado a silagem de trigo no rebanho de corte e percebido uma característica de composição de fibra muito interessante para a produção de carne. O trigo já pode ser o alimento volumoso base da alimentação desses animais. Ele está substituindo o milho, mostrando ganhos também em outros lados, como uma melhoria na fermentação ruminal”, comenta.
Se para o gado de corte o trigo pode substituir o milho como principal volumoso, na produção de leite não é bem assim. De acordo com Lima, é preciso balancear a quantidade do cereal para que a vaca não perca a capacidade produtiva pela deficiência de outros nutrientes. “Na produção de leite há uma substituição parcial do milho, que fica entre 20 e 30%”.
De acordo com o profissional, por se tratar de um alimento destinado à produção de proteína animal, o trigo silagem não compete com o trigo destinado à alimentação humana. Suas duas situações distintas.
Produtivo e competitivo
De acordo com o mestre em Ciência Animal Éderson Luis Henz, zootecnista da Biotrigo Genética, as novas variedades podem reduzir a ociosidade das terras durante o inverno. “Áreas extensas que antes eram ocupadas por soja e milho acabam ficando ociosas. Assim, a ocupação dessas áreas com cereais de inverno com vista à produção de alimentos conservados possibilita o uso racional do solo, produzindo um volumoso com boa qualidade, além de reduzir a concorrência com áreas de verão para produção de silagem e pré-secado. Outro fator é a instabilidade climática no inverno, que pode causar danos na produção de milho safrinha, tornado o trigo uma opção segura”, argumenta.
Ele explica que os frequentes aumentos nos preços de grãos de cereais utilizados na alimentação dos animais têm despertado interesses pelo aproveitamento de alimentos conhecidos como não convencionais. Neste contexto, comenta, surgem variedades “para suprir está demanda de alimento conservado em meses com incidência de baixas temperaturas, contribuindo como ótima fonte de proteína e energia, associado à alta digestibilidade animal, convertendo em carne”, cita.
De acordo com o profissional, há materiais com produção de até 30 toneladas de massa verde por hectares, o que, em sua opinião, para cereais de inverno é uma excelente produtividade. De acordo com ele, entre as características do pacote fitossanitário está a sanidade aérea, além de boa resistência ao acamamento, “facilitando seu manejo atribuído ao bom nível de tolerância às principais doenças”.
De acordo com ele, por se tratar de um trigo mútico – sem a presença de arista – não fere o trato digestivo do animal quando comparado a um trigo comum, proporcionando uma ótima alternativa na dieta de gado de corte.
Ainda segundo Henz, o valor alimentar ou qualidade de uma planta forrageira pode ser considerado como a associação de seu valor nutritivo – composição química, digestibilidade -, com o consumo da forragem pelos animais e a eficiência de utilização dos nutrientes. Ele explica que as cultivares de trigo para destinado à silagem oferecem índices satisfatórios de proteína e energia para um bom funcionamento fisiológico do rúmen, bem como para síntese proteica de tecidos e produtos metabolizados. Para ele, trata-se de uma “ótima fonte de energia para os ruminantes, oriunda de carboidratos estruturais (celulose, hemicelulose e pectina) e não estruturais (açucares e polissacarídeos amiláceos) contidos na cultura”.
O resultado vem no rendimento de carcaça, explica o profissional. “O crescimento de bactérias ruminais fermentadoras de carboidratos não fibrosos utilizam amido, pectina e açúcares e crescem mais rápido do que o pool de bactérias fermentadoras de carboidratos fibrosos, visto que podem utilizar amônia ou aminoácidos como fonte nitrogenada. Portanto, forragens que estimulam o crescimento do pool de bactérias ruminais fermentadoras de carboidratos não fibrosos como, por exemplo, o trigo, incrementam a produção de proteína microbiana e de ácidos graxos voláteis, favorecendo a resposta do ruminante em maior quantidade de carne”.
Ainda conforme Henz, com relação aos custos de produção, inclusive quando comparado ao milho, tradicional matéria prima para a produção silagem, as cultivares têm demonstrado ser competitivas.