Na foto, espécie de morcego “Desmodus rotundus”. Foto: Departamento Regional da Cidasc de Rio do Sul

Na foto, espécie de morcego “Desmodus rotundus”. Foto: Departamento Regional da Cidasc de Rio do Sul

O que acontece com a vida silvestre, meio ambiente e os habitantes rurais quando ameaças bem conhecidas como javalis, morcegos vampiros e doenças virais interagem de maneira sem precedentes? Um grupo de pesquisadores brasileiros investigando essa questão publicou um artigo na revista americana Frontiers in Ecology and the Environment mostrando que a abundância de morcegos vampiros e as ameaças associadas a eles deve aumentar devido a invasão dos javalis.

O Brasil está enfrentando uma invasão de javalis (e javaporcos) sem precedentes na zona rural, com um aumento de 500% desde o último registro em 2007. “Javalis e javaporcos estão se tornando os mamíferos dominantes na Mata Atlântica” diz o coautor Felipe Pedrosa, ecólogo da Unesp de Rio Claro. [Javalis, javaporcos e porcos monteiros são todos da mesma espécie do porco doméstico (Sus scrofa). Sua distribuição natural se dá principalmente na Europa e Ásia, mas foi introduzido na Austrália, América do Sul e EUA incluindo Hawaii. Javalis e demais suídeos (porcos) em estado asselvajado são considerados uma das piores espécies exóticas do mundo].

À medida que a população de javalis aumenta, danos à agricultura (milho, cana, soja) e predação de aves nativas e mamíferos também aumenta. Ainda pior, sendo presa favorita dos morcegos vampiros, o número crescente de javalis fornece uma fonte sempre crescente de sangue, o que pode potencialmente aumentar a população dos morcegos. Na América tropical, morcegos vampiros são uma ameaça à produção pecuária e à saúde humana, devido ao seu papel como reservatório de uma série de doenças infecciosas. A mais séria é a raiva, uma doença viral mortal que é transmitida pela saliva do morcego durante a mordida nos animais de cujo sangue se alimenta. Entre morcegos vampiros, a raiva tem uma prevalência estimada de 1.4% (3 em cada 200 morcegos estão infectados). Devido aos morcegos vampiros serem relativamente raros na natureza, e programas de vacinação de gado e cães serem praticados no Brasil, as chances de contágio de raiva entre populações humanas é baixa.

No entanto, observações feitas pelos pesquisadores brasileiros alerta para o potencial aumento nos casos de raiva entre habitantes rurais. Os pesquisadores estavam interessados primeiramente no monitoramento da vida silvestre com armadilhas fotográficas, e para esse fim, usaram o modo gravação de vídeo entre um grande número de localidades rurais no Pantanal e na Mata Atlântica. “Durante a análise de mais de 10 mil fotos e vídeos, notamos alguns morcegos vampiros alimentando-se em javalis, antas e veados. Nossa impressão inicial era de que esses eventos eram raros, mas após calcular a probabilidade desses animais serem atacado, ficamos chocados” diz Mauro Galetti, primeiro autor e professor de ecologia na Unesp – Rio Claro.

Os pesquisadores calcularam que a porcentagem de encontros entre os morcegos vampiros e os javalis é alta, em torno de 10% para todas as noites de registros. As consequências principais, de acordo com os autores, é o potencial aumento de surtos de raiva entre vida silvestre, pecuária e populações rurais, à medida que as populações de javalis e morcegos aumentam. Além disso, a transmissão de raiva para caçadores de javalis que limpam a carcaça dos animais não pode ser ignorada. “Para os animais nativos que são mordidos por morcegos vampiros, como antas, veados e capivaras, existe também o potencial de transmissão de outras doenças virais existentes nos javalis” diz Alexine Keuroghlian, coautora e bióloga da conservação da Wildlife Conservation Society – Brasil. Devido às políticas de controle de espécies exóticas serem mal definidas no Brasil, é provável que a população de javalis continue crescendo e, como resposta, as populações morcegos vampiros também deve crescer. “Ficamos surpresos em ver tantos vídeos e fotos de morcegos vampiros alimentando-se nos javalis” diz Ivan Sazima, coautor e zoólogo especialista em biologia de morcegos, da UNICAMP.

O estudo conclui que a invasão de javalis na Mata Atlântica e Pantanal representa uma séria ameaça, e existe uma necessidade urgente de desenvolver e implementar medidas efetivas de controle. Devido ao Brasil enfrentar uma crise política e financeira, incluindo severos cortes no orçamento do ministério do meio ambiente, o futuro dos javalis e dos morcegos vampiros continua por resolver, criando sérias consequências para a vida silvestre nativa, o meio ambiente e as populações rurais. Embora o controle de javalis e javaporcos por caçadores seja uma atividade legalizada, cientistas são céticos se esse tipo de medida pode acarretar maior ameaça à vida selvagem. “Nosso maior desafio é permitir o controle dos javalis sem indiretamente incentivar a caça ilegal de vida silvestre nativa”, diz Mauro Galetti.

O artigo é assinado por Mauro Galetti e Felipe Pedrosa da Unesp – Rio Claro, Alexine Keuroghlian da Wildlife Conservation Society – Brasil e Ivan Sazima da Unicamp.

Referência do artigo: “Vampire bats feeding on invasive feral pigs and two native ungulates”. Galetti et al. Unesp – Rio Claro. Revista: Frontiers in Ecology and the Environment.  1 Nov de 2016  – See more at: http://opresenterural.com.br/noticia/abundancia-de-morcegos-vampiros-deve-aumentar/8806/#sthash.0gynIqBr.dpuf

Fonte: O Presente Rural.