Assim como a presença dos descendentes se mantém no nome de Irmgard Klug Kuchler, 58 anos, a tradição do Kochkäse também está na vida da moradora do Testo Salto, em Blumenau. Há décadas, ainda quando vivia com a mãe, ela aprendeu a lidar com a iguaria e até hoje preserva o hábito de produzir semanalmente o queijo cozido em casa. De nome alemão, o Kochkäse, feito de modo caseiro na maioria dos casos sem pasteurização do leite, ainda não é regulamentado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e por ser feito à base de leite cru está impedido de ser comercializado, de acordo com regulamento sanitário.
— Eu aprendi a fazer o Kochkäse em casa e faço até hoje. Aos poucos adaptei a forma como o leite é tirado da vaca e o que era necessário para manter a qualidade do queijo, mas eu ainda produzo com o leite cru. Quem tem muito em casa acaba deixando de comer, mas as visitas sempre pedem — conta Irmgard.
Para manter esta cultura, especialistas, estudiosos e produtores, através de uma parceria entre o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Furb e a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), começaram a busca pela regulamentação no ano de 2009, na intenção de obter o o registro como bem imaterial do Kochkäse. Atualmente eles também almejam o selo de Indicação Geográfica (IG) que, entre outros critérios, permite a comercialização do produto na região registrada.
Enquanto consumidores ainda questionam a extinção da comercialização de produtos feitos em casa – como o próprio queijo cozido, natas e doces típicos – e alertam o domínio de produtos industrializados, o analista de expansão da Epagri, Leo Teobaldo Kroth, que acompanha o processo de construção do projeto sobre o Kochkäse, assegura que cada vez mais se fala dos produtos slow food e da valorização daquilo que é regional e caseiro. Um exemplo, cita ele, é a busca pela preservação da erva-mate. Típica do Planalto Norte, os pequenos produtores buscam o registro de IG para manter viva a tradição caseira e artesanal.
— O tema tem sido discutido constantemente entre universidades, consumidores e agricultores. A valorização daquilo que é regional é importante para que as tradições não desapareçam com o tempo e continuem presentes nas próximas gerações — destaca.
Segundo a extensionista Marcia Gomes, da gerência regional da Epagri de Blumenau, os encontros regionais com produtores procuram alternativas para a manutenção da produção do item, sendo o patrimônio cultural e as indicações geográficas temas presentes nestas discussões.
Produtos precisam de registro para serem comercializados
Além do Kochkäse, existem outros produtos de origem animal da região que não possuem Regulamentos Técnicos de Identidade e Qualidade (RTIQ). Entre eles estão morcilha e a geleia de porco, exemplifica a responsável pela área de inspeção estadual da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (CIDASC), Esthér Elisa Wachholz:
— Para produzir e comercializar um produto de origem animal, o interessado (produtor) deve estar registrado em um órgão de inspeção sanitária oficial, no Serviço de Inspeção Municipal (SIM), Serviço de Inspeção Estadual (SIE) ou Serviço de Inspeção Federal (SIF) — reforça ela.
Por outro lado, quem imagina que a fiscalização dos órgãos de controle impede totalmente a produção caseira de artigos típicos da região se engana. Segundo o coordenador de Fiscalização de Alimentos e Produtos da Vigilância Sanitária de Blumenau, Paulo Sérgio Mülhmann, as pessoas não estão proibidas de fazer queijos, geleias e iguarias tradicionais em casa. O que não é permitido é a comercialização desses
produtos:
— Muitas vezes as pessoas veem a Vigilância Sanitária como a vilã, mas na verdade estamos precavendo que o pior ocorra, evitando contaminações em massa, por exemplo — pondera Mühlmann.
Para a Vigilância, o problema é a manipulação dos alimentos
Presente na cultura da região, em festas típicas, aniversários e em encontros de família, o queijo cozido é presença quase obrigatória na mesa dos moradores do Vale do Itajaí. A engenheira agrônoma da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) em Pomerode, Eneide Barth, conta que apesar da venda do item produzido com leite pasteurizado ser possível, já que possui registro em um órgão de inspeção sanitária oficial, muitos produtores aguardam a regularização da venda do produto feito de leite cru.
– Acredito que aos poucos a fiscalização possa ser mais flexível com os pequenos produtores. Afinal as pessoas estão em busca da regularização e querem manter a tradição – reforça.
Segundo a gerente do Serviço de Inspeção Municipal da Diretoria de Desenvolvimento Rural da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (Sedec) da prefeitura de Blumenau, Cristina Odebrecht, o maior problema na produção de artigos de origem animal registrados na cidade está na manipulação da matéria-prima. Por isso, ela destaca a importância desta averiguação e acompanhamento constante:
— O maior problema que enfrentamos é com a manipulação do produto em si, que é a etapa onde há o maior risco de contaminações, e é onde os controles têm que ser mais rígidos — destaca.
Cervejas caseiras estão fora de festival desde 2013
Em 2013, os produtores caseiros de cerveja ficaram de fora do Festival Brasileiro da Cerveja em Blumenau por conta do impedimento da venda do produto. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) impediu a presença da bebida feita em casa porque não havia regulamentação para a atividade. Um projeto de lei que ainda tramita no Congresso busca justamente essa regularização.
A decisão do Mapa deixou de fora inúmeras e inusitadas combinações da bebida, mas não afetou a qualidade do evento, avalia o secretário de Turismo de Blumenau e atual presidente da comissão organizadora do festival, Ricardo Stodieck. Caso a produção caseira seja regulamentada, ele garante que o festival estará de portas abertas para recebê-la novamente.
— Serão muito bem-vindas. Todo conglomerado econômico um dia começou pequeno, por isso o incentivo vale a pena — avalia Stodieck.
Fonte: Jornal de Santa Catarina