Foto: ASCOM/CIDASC

O Brasil ocupa, há três anos seguidos, o posto de maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Segundo dados do Ministério da Agricultura, do IBGE e do Sindicado Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agropecuária (SINDAG), em 2011, o País consumiu 852,8 milhões de litros de agrotóxicos, consumo este que aumentou em, aproximadamente, 80% em relação ao ano de 2002.

Caso essas centenas de milhões de litros de agrotóxicos fossem distribuídos entre os quase 200 milhões de habitantes, cada brasileiro ingeriria, em média, 4,3 litros  por ano.  Nos últimos 10 anos, enquanto o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 93%, o brasileiro cresceu duas vezes mais, o equivalente a 190%. Uma das facilidades dada pelo governo brasileiro é a isenção de impostos sobre eles.

Diário do Comércio entrevistou especialistas em toxicologia e em agronomia para entender o cenário agrícola do País em relação a estes agentes químicos, que são usados, segundo informou Luis Eduardo Rangel, coordenador-geral de Agrotóxicos e Afins do Departamento de Fiscalização de Insumos Agrícolas (DFIA),  para combater pragas em 98% das lavouras brasileiras, e que movimentam R$ 19,36 bilhões, segundo dados de 2011 do SINDAG.

Para Karen Friedrich, toxicologista do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), existem duas esferas de problemas: a esfera do governo e a esfera do produto em si.

“Deve-se parar de usar agrotóxico. Os danos que ele causa ao meio ambiente e ao corpo humano são, na maioria das vezes, irreversíveis. Outra questão, dentro de um país no qual o agrotóxico é permitido, é a limitação do governo em fiscalizar e atualizar os registros feitos por órgãos federais.”

Karen participou da elaboração do dossiê “Um alerta sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde” da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) publicado em 2012, no Rio de Janeiro, durante reunião mundial sobre nutrição e alimentos.

Intoxicação – O Dossiê da ABRASCO aponta que um terço dos alimentos consumidos todos os dias pelos brasileiros está contaminado por agrotóxicos. Do total de amostras recolhidas para o estudo por parte da Anvisa, 68% delas apresentaram contaminação, sendo que 28% eram feitas de ingredientes ativos não autorizados pelo governo.

Dos alimentos recolhidos os mais contaminados – em ordem de percentual de agrotóxico – foram pimentão (91,8%), morango (63,4%), pepino (57,4%) e alface (54,2%).

De acordo com a Associação Nacional de Defesa Animal, em entrevista ao DC,  “o setor de defensivos agrícolas (os agrotóxicos) apresenta o grau de regulamentação mais rígido do mundo”, uma vez que “inúmeros estudos toxicológicos são requeridos e avaliados pelas agências de regulamentação de cada país”.

No caso do governo Brasil, para Eduardo Daher, diretor-executivo da Andef, pelos agrotóxicos passarem pela análise do Ministério da Saúde, da Agricultura e da Saúde, eles são “plenamente seguros para os trabalhadores rurais e consumidores  dos alimentos”.

Karen, a toxicologista da FioCruz discorda. “O trabalhador que está ali na hora da utilização, mesmo com o equipamento exigido pelo governo, é exposto a uma dose bem elevada”. E esta exposição origina os chamados “efeitos agudos”, que são vômitos, dor de cabeça, diarreia, tremor, coceira, irritação ocular e da mucosa. “Dependendo do nível de exposição, pode causa a morte em semanas ou meses – caso o rim seja afetado, caso evolua para uma cirrose ou em câncer”, afirma.

Contaminação – No dia 3 de maio deste ano, 92 pessoas de uma escola – entre funcionários e crianças – foram envenenadas em Rio Verde, em Goiás, depois que um avião pulverizou agrotóxico com pretensão de atingir uma lavoura próxima.

“Pelo vento, o produto caiu sobre as pessoas. Muitas absorveram pela pele, outra que estavam comendo, pela boca e outra inalaram. E, na maioria dos casos, houve mais de um tipo de absorção”, lembrou Karen Friedrich. Outro tipo de intoxicação é a do consumidor que, mesmo ingerindo quantidades pequenas a cada dia – e em cada alimento – no decorrer de anos, décadas, pode apresentar os chamados efeitos crônicos. “Os danos aparecem no sistema reprodutivo, imunológico, hormonal e motor”.

Registro – Cada nova fórmula de agrotóxico deve ser registrada, a pedido da empresa produtora, no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Mas, antes de emitir o registro, o MAPA recolhe amostras do produto para dar para o IBAMA,  ANVISA e para os técnicos de dentro do ministério analisarem. Então, a partir dos laudos dos três, o Ministério da Agricultura registra ou não. Caso algum ingrediente ativo, de algum agrotóxico, seja questionado, o registro é reavaliado novamente por esses três órgãos.”

“Estudos científicos começam a levar em conta outros aspectos da toxicidade do produto, e os danos, que não eram vistos antes, surgem. O governo precisa perceber isso. Mas hoje são raras as atualizações de registro. E, quando ocorrem, são muito lentas”, disse a toxicologista da FioCruz.

Fiscalização – A fiscalização do comércio e da adequação quanto às normas de uso e de equipamento de proteção é de responsabilidade das secretarias estaduais do meio ambiente. O Ministério da Agricultura só responde pela importação e pelas fábricas. Ao todo, são dez fiscais federais ligados ao MAPA, segundo o Coordenador-Geral de Agrotóxicos do Ministério.

Para o professor de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutor em Ecologia pela Universidade da Califórnia, Aldo Merotto Júnior, o maior problema do Brasil é a falta de fiscalização – “devido à falta de estrutura dos órgãos públicos” – e da deficiência em se definir e aplicar regras para o produtor. “O produtor não tem informação e, na maioria dos casos, começa a seguir normas que nem existem”. Segundo ele, são três os processos que englobam a questão dos agrotóxicos: a fabricação, a venda e o consumo. E para cada uma delas existe uma regra federal, especificada de acordo com cada Estado.

“É o caso do receituário agrônomo, que funciona como uma receita médica na compra de um remédio. O vendedor do agrotóxico deve exigir a apresentação deste receituário quando o produtor fosse comprar”.

Mas, segundo Merotto, o receituário é dado pelo próprio vendedor do agrotóxico àquele que está comprando – e ele mesmo (o vendedor) assina o documento, quando quem deveria fazê-lo, pela lei,  é o engenheiro agrônomo. “Como se você, na hora em que fosse à farmácia comprar um remédio, o próprio farmacêutico é que te desse a receita e assinasse, se passando por um médico.”

A situação do receituário piorou ainda mais, de acordo com o agrônomo, quando leis estaduais permitiram que o receituário fosse assinado por técnicos agrícolas, “profissionais de ensino médio, de 17 anos, que ainda nem têm maioridade penal”.

Propostas – A  ABRASCO aponta, em seu dossiê, propostas alternativas ao agrotóxico para que, a médio prazo, eles parem de ser usados nas lavouras brasileiras.

Implantação de uma  política nacional a favor da agroecologia em detrimento do financiamento público dos agrotóxicos, criação de normas para combater as violações dos direitos humanos à alimentação e proibição de pulverização deles por via aérea, além de suspender a isenção de impostos sobre os agrotóxicos são algumas das propostas apresentadas.

Em contrapartida, a Associação Nacional de Defesa Vegetal defende que os agrotóxicos sejam “insumos  indispensáveis na agricultura em todo o mundo”. “Conforme atesta a FAO, Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, sem a tecnologia eficiente no controle de pragas a produção de alimentos cairia  cerca de 40%”, afirma Eduardo Daher diretor-executivo da Andef,  que acrescenta: uma quebra do uso de agrotóxicos pode “causar sérios problemas sociais e econômicos ao País.”

Fonte: Diário do Comércio