O Mercosul – leia-se, no caso Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, considerando o critério geográfico, não político, ou seja, sem a participação da Venezuela – é a região que tem a maior capacidade para atender a crescente demanda mundial por produtos agropecuários (alimentos, energia renovável, fibras, entre outros) de maneira amigável com o meio ambiente.Outras regiões, obviamente, também têm significativa importância agrícola, seja consolidada como no caso de Estados Unidos, Europa e China, ou potencial, especialmente a África. No entanto, nenhuma combina tão bem características que permitam aumentar a produção agropecuária com respeito ambiental como o Mercosul.
É o que destaca a prévia do documento “Segurança Alimentar Global e Recursos Naturais Agrícolas: Papel e visão da Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai”, que foi revisado e validado por dirigentes do agro do Mercosul, em evento realizado recentemente [19 de julho] na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
O documento reúne dados e estimativas do Departamento de Agronegócio da Fiesp (Deagro), da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), da Instituição Desenvolvimento e Democracia do Paraguai, da União de Grêmios da Produção (UGP) do Paraguai, do Conselho Uruguaio para as Relações Internacionais (CURI) e do Conselho Argentino para as Relações Internacionais (CARI).
Terra, água, clima, e produtividade
Achim Zickler, pesquisador da Universidade de Bonn (Alemanha), especialista convidado para o evento, destacou que Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai constituem um seleto grupo que se configura num grande player global da produção agropecuária, e bem preparado para os futuros desafios, principalmente por ter grande disponibilidade de recursos naturais.
São exatamente os diferenciais competitivos em terra, água e clima, somados ao modelo de produção agropecuária local baseado em ganhos de produtividade, que podem catapultar o Mercosul a ser o grande provedor de comida e agroenergia do planeta.
De acordo com Marcelo Regúnaga, professor da Universidad San Andrés, da Argentina, e redator-chefe do documento, nos últimos vinte anos, o Mercosul aumentou significativamente sua contribuição na produção agropecuária mundial.
Segundo ele, com base em estatísticas do relatório, a produção agrícola per capita na região cresceu 80% mais do que a média mundial durante a primeira década deste século, 350% mais do que a média de EUA e Canadá juntos, e significativamente mais do que Europa.
Em termos de potencial, números do Banco Mundial – presentes no documento – sustentam que o Mercosul pode incorporar mais 123 milhões de hectares para cultivo, sem avançar sobre vegetação nativa, perdendo apenas para a África subsaariana no tocante à disponibilidade de terra. Além disso, o documento revela, ainda, que no que diz respeito ao estoque d’água, a região só fica atrás de Austrália e Nova Zelândia juntas.
“De fato, o potencial existe, mas é preciso transformar ideias, como as deste relatório, num plano de ação concreto”, afirmou Horácio Sanchez Caballero, um dos coordenadores do documento e diretor do CARI. Este passo adiante requer o envolvimento e articulação direta entre os governos, e neste ponto talvez resida o maior obstáculo, conforme observou o ex-ministro da Agricultura e coordenador do FGV Agro, Roberto Rodrigues. “Eu sou um crítico da maneira como as coisas acontecem no Mercosul. Temos um discurso de solidariedade, mas uma prática solitária”, disse.
Menos protecionismo
Regúnaga chamou atenção para o fato de que o protecionismo no comércio agrícola mundial terá que arrefecer para atender as exigências da sociedade por uma produção cada vez mais amiga do meio ambiente. Isso porque, explicou ele, demanda e oferta vinculadas aos produtos agropecuários estão alocados em regiões diferentes do globo, cenário que tenderá a forçar uma maior abertura comercial. Segundo ele, haverá forte incremento de consumo por proteína animal [carnes e lácteos].
Para Alan J. Bojanic, representante da FAO no Brasil, o casamento entre a necessidade de se aumentar a produção de alimentos e respeito ambiental é positivo, embora difícil, e só a tecnologia não será suficiente para selar esta união. “Será preciso um comportamento mais ético a fim de harmonizar a agenda agrícola com a ambiental, sem se esquecer de incorporar também a etapa do consumo”, ressaltou, acrescentando que “será preciso também desenvolver uma agricultura mais resistente às mudanças climáticas”.
Fonte: Portal Sou Agro